A primeira JJC (Jornada da Juventude Capuchinha) acontecida entre os dias 14, 15 e 16 de fevereiro deste ano, em Butiatuba, Almirante Tamandaré, contou a presença de aproximadamente 500 jovens, de todos os municípios do Paraná e Santa Catarina, onde os freis Capuchinhos tem presença.
Os freis juntamente com uma equipe formada por jovens de várias paróquias, escolheram como lema a seguinte frase: “Vai e reconstrói a minha Igreja”. E como símbolo, que passou por todas as paróquias, foi escolhido a Cruz de São Damião. O que é a Cruz de São Damião? E quem é o autor desta frase: “Vai e reconstrói a minha Igreja”?
Muito bem. Vamos começar citando um biógrafo de São Francisco. “Já inteiramente mudado de coração, e quase mudado no corpo, andava um dia pelos arredores da Igreja de São Damião, abandonada e quase em ruínas. Levado pelo Espírito, entrou para rezar e se ajoelhou devotamente. Tocado por uma sensação que era nova para ele, sentiu-se diferente do que tinha entrado. Pouco depois, coisa inaudita, a imagem do Crucificado, mexeu os lábios e falou com ele. Chamando-o pelo nome, disse: “Francisco, vai e repara minha casa que, como vês está toda destruída”. (Escritos e biografias de São Francisco de Assis. Tomás de Celano, Vida II.) Há traduções que utilizam a palavra Igreja no lugar de casa. Dentro da Igreja em ruínas havia um Crucifixo inteiro. Em todo desmoronamento algo fica em pé. São os sinais do amor, do cuidado, da presença de Deus mesmo nas tragédias. Em meio a jovens se drogando, se prostituindo, traficando, metidos no mundo do crime e violências, há jovens que aproveitam o carnaval para encontrar-se com outros jovens, até então desconhecidos, para celebrarem a mesma fé. Isto é a concretização de uma utopia.
São Francisco estava numa profunda e sincera busca espiritual. Já havia beijado o leproso, estava convivendo com eles, vivia rezando na solidão, passava horas e horas em oração. Estava repetindo muito o seguinte pedido a Deus: “Senhor que queres que eu faça?” Seu coração estava em trevas. Ele estava muito confuso em relação ao projeto de vida que Deus tinha para ele.
Poderíamos perguntar: será que realmente a imagem do crucificado abriu a boca e falou com ele? Celano utiliza o estilo de legenda, uma forma de escrever própria da época, para relatar uma verdade: Deus falou com Francisco. Francisco recebeu de Deus uma revelação nova. Dizem os estudiosos que há um bom período de tempo ele frequentava esta Igrejinha em ruinas para rezar. Ele estava buscando, preparando-se para escutar Deus. A Igrejinha abandonada, com paredes caídas, era um bom lugar para ficar só.
Francisco entendeu ao “pé da letra” o mandato do Senhor e começou a reconstruir a Igrejinha. De filho de um rico comerciante de tecidos, com sonhos de ser nobre cavaleiro, passou a ser pedreiro. A título de curiosidade, hoje as pesquisas arqueológicas dizem que São Francisco como pedreiro foi um ótimo santo, pois dá para identificar o que ele fez com suas mãos na Igreja. Ele foi o pior pedreiro que trabalhou em São Damião, dizem.
Mas tempos depois ele entendeu que a Igreja, ou a casa que o Senhor o chamou para reconstruir era a Igreja humana, a partir da vivência fiel do Evangelho. Antes de reconstruir a Igreja, Francisco teve seu próprio coração reconstruído. Com a casa do coração reconstruída, ele ajudou a reconstruir a casa da fraternidade e a casa do mundo. Temas para os próximos artigos.
Segundo Frei José Carlos Pedroso, este Crucifixo é um ícone, uma figura colorida, pintada em um pano colado numa tábua de nogueira. Diz-se Crucifixo de São Damião porque ficava na Igrejinha de São Damião. Tem 2,10 ms. de altura e 1,30 ms. de largura, 2 cms de espessura. No centro da cruz vemos Jesus Cristo ressuscitado, onde, com 1,80 m., domina todo o quadro. A palavra ícone vem do grego êikon, que quer dizer imagem.
Para compreendermos este ícone é preciso falar da Teologia da Luz. Teologia não como um estudo de Deus, mas uma experiência, uma vivência de Deus. Para esta teologia Deus é experimentado, vivenciado como Luz, Amor, Santidade.
Os pintores dos ícones, os iconógrafos, são pessoas consagradas que dedicam suas vidas a isso. Contemplam longamente essa luz nos Santos e nos Mistérios até conseguirem passar sua experiência para uma tábua. O grande destaque do Crucifixo de São Damião são os grandes olhos. Ficam bem destacados com linhas pretas e vermelhas em cima e embaixo. São olhos de amor, de paz que se dirigem a todos nós, mesmo para os que estão distantes. Estes olhos oferecem a luz de Deus.
Os ícones não existem para serem olhados. São eles que olham para nós. Francisco sentiu-se olhado por aqueles grandes olhos e aprendeu um olhar novo. Ele aprendeu a se olhar com o olhar de Jesus, a olhar as pessoas com o olhar de Jesus e a olhar o mundo com o olhar de Jesus. Ele passou a enxergar a beleza que existia dentro dele, no interior das pessoas e no mundo.
Numa época em que o mundo passava por transformações e muitas guerras Francisco foi o arauto da paz. Num tempo de heresias e escândalos da Cúria Romana, Francisco, simplesmente pelo testemunho de pobreza e do amor fraterno universal, inicia a reconstrução da Igreja. Quando o Cardeal Bergólio, eleito Papa, escolhe como nome, Francisco, inspirado em São Francisco de Assis, estava escolhendo um projeto de Igreja, para reconstruí-la. São Francisco era conhecido como o penitente de Assis, o pobre de Assis, mas ele gostava mesmo era de ser chamado o servo de Deus. Estamos vendo no testemunho do Papa Francisco um servo de Deus, não é!?
A JJC, com o lema “Vai e Reconstrói a minha Igreja” foi um momento proporcionado pela Província, São Lourenço de Brindes, dos Freis Capuchinhos do Paraná e Santa Catarina, para que os jovens fizessem uma forte experiência de Deus. Um momento para que os jovens se sentissem olhados pelos grandes olhos de amor de Jesus. Sentissem-se amados por Deus, pelos freis e pelos outros jovens. Um momento para também escutarem Jesus Cristo dizendo a eles: “Jovem, vai e reconstrói a minha Igreja, reconstrói a minha casa, ajude-me a reconstruir a juventude, as relações a partir das virtudes, ajudem-me a reconstruir este mundo que é belo, é bom, mas que está também com paredes caídas, ajudem-me a reconstruir suas paróquias, suas comunidades, suas famílias, ajudem-me a reconstruir pessoas, adolescentes, jovens e adultos”.
Os jovens foram desafiados a darem continuidade à experiência, para não ficar apenas num momento de forte emoção. Tenho certeza que eles saíram do encontro muito animados, abastecidos, entusiasmados com Jesus Cristo e serão missionários. A semente foi lançada, irá brotar e produzir frutos.
Durante a jornada muitos jovens trabalharam, apresentaram teatros, cantaram, rezaram, ouviram várias pregações. Aconteceu imprevisto por causa da chuva constante, mas a juventude não perdeu o ânimo, a vibração.
Muitos freis da Província estavam envolvidos na preparação da jornada e durante a jornada, com diversos trabalhos, desde preparação da casa, do ambiente, palestras, confissões momentos de oração. Todos os formandos e freis em formação da província – pós noviços – também estavam presentes e colaborando para o bom andamento.
Foi um momento que ficará marcado nos corações de cada participante e na história da Província. Foi um bom treinamento e antecipação de como será bom viver o céu. Mostrou que o céu começa aqui, quando vivemos unidos em Cristo, servindo, respeitando, acolhendo, amando, convivendo em harmonia, doando-se. São Francisco, na iminência de sua morte, disse aos irmãos: “Comecemos, pois até agora pouco ou nada fizemos”. Jovens, mãos à obra.
Nos próximos artigos continuaremos a falar sobre Francisco e o Crucifixo de São Damião. Um abraço, paz e bem!!!
Frei Maurício Solfa.